Vivemos tempos sem precedente e nunca como hoje o termo negociação foi tão relevante.
Filhos, família, colegas, chefias… Todos eles representam a outra parte nas inúmeras situações com que nos deparamos e em que pretendemos atingir os nossos resultados/objetivos.
Para muitos, a negociação pode ser entendida como a arte de alcançar o que pretendemos dos outros através de um processo de comunicação, sendo consubstanciada num acordo que poderá ser mais ou menos complexo em função dos pontos comuns ou de afastamento.
Muitas vezes associamos exclusivamente ao termo negociação um longo, complexo e sofisticado processo, encetado por partes altamente bem preparadas. Todavia, se pensarmos na História da nossa civilização, constatamos que esta interação remonta já a anos bastante longínquos, onde povos trocavam bens resultantes do seu cultivo, identificando as suas necessidades e trocando por aquilo que tinham em excesso. Posteriormente, e acelerado pela época dos Descobrimentos, o comércio e a negociação atingiram novos patamares.
Ainda antes de mergulharmos no mundo da negociação, torna-se imperativo diferenciá-la do conceito de venda em si. Se lhe perguntasse qual dos dois conceitos será mais difícil de implementar, o que diria?
Provavelmente responder-me-ia que é negociar. Não podia estar mais em desacordo. Vender é indubitavelmente mais duro, difícil e complexo, nem que seja pelo facto de uma boa venda evitar que se entre numa negociação e, como tal, se entre no mundo das concessões e consequente degradação de valor.
Para que uma venda seja bem-sucedida, há que ir mais além do que o espoletar da necessidade; evidenciar a superioridade do nosso bem/serviço e adaptá-lo ao perfil do nosso comprador é chave, cobrindo não só atributos como benefícios. São os afamados 4Ps: Produto, Preço, Promoção e Placement. Quando estes quatro chavões se juntam e conduzem à ‘compra’ do bem ou serviço, o primeiro momento da verdade encontra-se ultrapassado com sucesso, dando lugar ao segundo, exactamente o momento em que o comprador, ao experimentar o que comprou, compara as expectativas que foram criadas, e que levaram à acção, com a realidade. Daqui advém o termo fidelização / recompra, onde muitas empresas investem milhões, depois do chamado recrutamento inicial. Mas não nos desviemos.
Se recuarmos a uma lógica purista, de one to one, para que um processo de venda e/ou posterior negociação sejam bem-sucedidos, existem algumas regras de ouro a ter em conta:
Preparação: muitas vezes colocada de lado, é de longe a fase mais importante de qualquer processo de venda ou negociação. Não há duas oportunidades de arrancar da melhor forma possível, pelo que definir os nossos próprios objetivos, para onde queremos caminhar e porque o queremos fazer, ao mesmo tempo que se identificam as necessidades que o interlocutor tem, perceber as suas características pessoais – por exemplo, se é mais emocional ou racional – estudar muito bem o nosso produto do ponto de vista de características e benefícios que poderá aportar, são algumas das condições sine qua none para conseguirmos definir a melhor estratégia possível. Nunca nos devemos esquecer que a mesma característica pode ser associada, para vender o mesmo produto, a pessoas diferentes, usando benefícios diferentes.
Definição da estratégia de venda/negociação: depois de uma boa preparação, torna-se fundamental arrumar as ideias e construir a nossa selling story, ou seja, o nosso argumentário. Passe a nossa estratégia por tentar alcançar a maior fatia possível do bolo ou potenciar ao máximo o valor deste criando valor para ambas as partes. Há então que começar por estabelecer um terreno comum, através das necessidades identificadas, potenciando quer as características, quer os benefícios que podemos entregar ao interlocutor, demonstrando que o retorno do possível investimento acabará por ser positivo. É fundamental não nos esquecermos que, num processo destes, não importa só o conteúdo mas também a forma. Se estamos perante alguém altamente racional, a componente numérica assume particular relevo, e demonstrarmos por A + B qual será o benefício final pode ser a solução. Por outro lado, alguém mais emocional terá maior probabilidade de tomar uma decisão alinhada com os nossos interesses, se conseguirmos tocar no coração e na sua mente através de uma selling mais aspiracional. Muitas negociações esbarram quando a via seguida não está alinhada com o perfil do interlocutor. Mais evidente se torna quando podemos ter diferenças culturais pelo meio.
Processo de negociação: feita a preparação e definida a estratégia, é tempo de avançar para a prática. A apresentação da proposta, para além de obedecer aos pontos anteriores, deve garantir que existe um terreno comum entre as partes e deixar espaço para que, tal como acontece em qualquer processo de negociação, haja margem para concessões. Assim, torna-se bastante habitual que uma proposta de entrada seja suficientemente agressiva para permitir concessões futuras, sem parecer ofensiva ou que saia fora dos padrões mínimos esperados pela outra parte. Fazer concessões normalmente acaba por ter um cariz negativo, mas é na verdade a ferramenta mais forte para trazer até nós a outra parte, por via da satisfação, enquanto pacientemente nos aproximamos do nosso objetivo. Cada movimento deve ser devidamente valorizado e condicionado a uma igual ou maior concessão do lado de lá. Pelo meio, poderão surgir novas variáveis, desconhecidas inicialmente, que tragam turbulência e façam abanar a nossa estratégia, sendo para isso fundamental mantermos sempre a chamada visão de helicóptero, tentando antecipar o porquê destas novas variáveis surgirem nesse momento, qual o seu possível impacto a longo prazo e como conseguir neutralizá-las ou utilizá-las em nosso favor. Sem complicar demasiado, também a linguagem corporal e reações sonoras podem servir para passar mensagens de desacordo ou menor tolerância a essas mesmas ‘surpresas’, propositadamente lançadas no decorrer do ato de negociação.
Lidar com objeções: em paralelo, também a nossa selling pode ser alvo de várias objeções ou bloqueios, que, para serem ultrapassados a um menor custo possível, têm de ser absolutamente compreendidos. Pensemos num iceberg: muitas vezes, e de forma imediata, apenas o que está visível à superfície nos parece real. Para isto, voltamos à regra básica de efetuar perguntas abertas e/ou fechadas, associadas a uma escuta ativa, interpretações e reafirmações, para que passo a passo possamos resumir e enquadrar ‘calmamente’ a problemática, indo mais a fundo no mar, conhecendo melhor o iceberg, permitindo-nos ser o mais efetivos possível na buscar de alternativas que desbloqueiem estes pontos.
Fecho e follow up: depois de toda a adrenalina, avanços e recuos, seja o desfecho mais ou menos favorável, torna-se crítico resumir todos os pontos de parte a parte, de maneira a formalizar o mesmo, sem qualquer tipo de dúvidas. Em paralelo, e no caso de negociações mais complexas que envolvem longos acordos, o acompanhamento futuro quanto à implementação dos mesmos é algo mandatório e que em qualquer momento, face a alguma alteração ou não cumprimento, pode ter como desfecho a abertura de um novo processo negocial.
A nota final vai para aquele que em meu entender acaba por ser um erro básico neste tipo de processos: o ego. Seja de uma parte ou de outra, colocar o eu à frente dos benefícios ou do valor acrescentado que poderá ser gerado por um fecho construtivo constitui muitas vezes um erro crasso, pelo que é mandatório manter sempre o foco no objetivo final a que nos propusemos, garantindo que não nos desviamos da estratégia definida, após a devida preparação. Não se deve confundir ego com ser emocional: um pode deitar tudo a perder, o outro, quando utilizado no momento certo, com o perfil certo, poderá ser uma grande mais-valia!
Boas vendas e…, se tiver mesmo de ser, boas negociações!
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